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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sem misericórdia

O sonho da razão dá luz aos monstros
Nestes dias ouço muitas vezes estas palavras ditas em relação aos fogos postos. “Se apanho um destes malditos, vou matá-lo, de certeza absoluta”, disse o meu merceeiro, um tipo verdadeiramente calmo. “E se fosse um parente seu”? – “Também o matava, sem nenhuma misericórdia.”
Confesso, que também em mim já apareceram desejos deste género, quando vi a destruição, o fim da beleza, do encanto da natureza e enfrentei o dissabor e o cheiro do fim do mundo, causado pelas chamas. Doeu e muito me revoltei. Com certeza, aqueles que atiçam fogos actuam sem nenhuma piedade e por isso não merecem misericórdia, mas nós, as vítimas merecemos. Os incendiários têm de ser julgados e condenados com a nossa comparticipação, quer dizer, nós temos o direito de ser informados durante todo o processo. Só assim temos a possibilidade de aprender, o que está a acontecer e lançar perguntas.
Os responsáveis devem de entender, que o direito da informação sobre este assunto, que toca a sociedade em si, é um direito fundamental da democracia. Até hoje temos de sofrer e reclamar a falta dele. E não ajuda em nada, quando o ministro para os assuntos inteiros à frente das chamas diz que já temos leis suficientes para punir os fogos postos. Leis de protecção dos bens comuns e privados, que não são cumpridos e executados, pouco merecem os seus nomes, têm mais semelhanças com permissões.
A sentença de morte não está ao nosso alcance, a constituição democrática proíbe-a com muita razão. Não devemos chamar os espíritos, que ninguém sabe controlar; o excesso e o abuso esperam já. O desejo surge meramente do sentido de desamparo e tem uma ligação muito mais forte com a destruição, do que nós pensamos. Jovens perdidos no labirinto da modernidade têm o mesmo sentido de desamparo. E sentem a destruição à sua volta. Quarteirões de prédios erigidos num instante como termiteiras, que têm nomes como “Pinhal do Douro”, “Jardins da Arrábida”, “Encosta Verde” e por aí fora, fazem-me pensar. Por um lado apontam para o que está banido, por outro lado dão uma instrução secreta sobre a direcção do desenvolvimento, que nós sofremos actualmente. Já para não falar sobre um dos maiores e recentes escândalos: a construção dum monstruoso hipermercado no meio dum espaço verde protegido e todas as circunstâncias relativas a isso. Os projectistas, os seus ajudantes, escondidos e conhecidos, os executantes não só ficaram livres e intocáveis, mas além disso com lucro, que tende a desculpar tudo para muitos. Este caso podia ser, como outros, brevemente branqueado da consciência pública, mas irá ficar inesquecido na escuridão dos rumos e na inconsciência colectiva.
Porém certos gestos de repulsa, da desintegração, como passar por uma floresta na auto-estrada e atirar cigarros acesos pela janela do carro com uma grande gargalhada, como já testemunhei, são pouco perceptíveis e merecem ser denunciados. E não esquecer os montes de lixo deitados frequentemente nas entradas das zonas florestais. A limpeza tem de ser muito maior, temos de limpar muito mais do que as matas!
Principialmente, como cidadãos somos co-responsáveis!

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