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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Depois do fogo é antes de fogo?

O pastor Manuel com o seu rebanho de ovelhas na serra em cima de Venda Nova, concelho de Montalegre,disse-me: “Tivemos de fugir de um grande fogo uns dias antes.” Ele fez um gesto vago para a esquerda. O seu rosto estava deprimido, a voz baixinha. “As pessoas daqui têm suspeitos, um estranho jovem casal, mas eu não acredito nisso. Acho que são rapazes nas suas moto-cross que atiçam o fogo. Jovens sem ligação à terra, jovens sem uma perspectiva certa.”
Passado um tempo vi-me perdido na floresta preta, encontrei o curral e a casa em cinzas fumegantes, que pertencem ao Manuel. Imaginei-o com o seu cão pastor e o seu rebanho exactamente ali como retalho colorido no negrume. Uma imagem bem forte. Passei as cinzas demorando uma hora e meia, até chegar outra vez à vida, ouvindo os pássaros a cantar e o som do vento nos pinheiros.
Em Paredes, uma pequenina aldeia, o Sr. Jorge disse: “Isto é uma guerra civil em que as vítimas não têm nenhumas armas. Há dias fui ao Gerês e vim de lá chocado. Tive de parar o carro por causa do fogo intenso e vi sair dele muitas corças berrando, assustadas sem as suas mães. Mas o mais horrível foi vê-las virar e correr de novo para o fogo. Nunca mais vou esquecer. O que nós precisamos não são outros aviões de França, de Espanha ou não sei o que mais... Precisamos de uma lei, que proíba vender terrenos ardidos. Precisamos de uma polícia judicial e uma justiça efectiva. Por isso precisamos de um governo com juízo. E acima de tudo: educação e formação no terreno para os jovens, repovoar as aldeias. Por aqui há muita terra abandonada e muito trabalho para fazer.”
Precisamos mesmo de uma sociologia de fogo e mais estudos? Já não sabemos suficiente­mente em que sociedade nós vivemos? Numa sociedade sossegada, calada e muda, numa sociedade imóvel, assustada, empurrada para a esquina, numa sociedade particular, quer dizer, que só se liga com assuntos privados. Foi dito, que todos os povos têm o governo que merecem. Mas é verdade que o peixe começa por cheirar mal da cabeça. Um governo que está ausente em tempo de perigo por causa das férias intocáveis e só manda palavras inertes e absurdas merece todo o nosso repúdio.
E nós, o que vamos fazer? Ficar com os braços cruzados e os olhos tapados com óculos de sol? Depois do fogo fica a ser antes do fogo?
A terceira força, os jornalistas, os escritores, os fotógrafos têm de dar vozes para as pessoas que bem sabem pensar, que sabem falar, mas que não são ouvidas. Têm de incomodar os responsáveis com perguntas directas e claras e exigir respostas concretas.
Aqui fica uma pergunta para os cientistas: Será possível contar a emissão de CO2 lançado para a atmosfera por causa dos fogos? Isto é um caso para ser punido pela Comissão Europeia.
Penso, que é urgente criar um movimento civil que recolha informações, testemunhos, opiniões e conselhos para combater esta praga dos nossos tempos e deste país em que vivemos.
Depois do fogo é antes do fogo? Nunca mais!


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